Chove na rua e é Inverno. Desço as escadas descalça, pés frios na madeira fria, gelo que sobe pelas pernas e contamina o resto do corpo. O cheiro da lareira da noite passada ainda está dentro de casa. Cheira a Natal. Calço as botas até aos joelhos e os meus passos tornam-se pesados.
Na sala, as cinzas descansam na tijoleira cor de laranja com fendas negras. A televisão está apagada e a casa está em silêncio. Eu estou em silêncio. E gosto de ouvi-lo, assim, pacífico, sem nada que me atormente.
Vai ser um dia bonito com chuva. Saio de casa com as chaves do carro na mão, a pensar em nada, a cantarolar uma letra esquecida de uma música da minha adolescência.
Fecho a porta de casa, som seco a bater e a cessar. Quando entro no carro, procuro a estação de rádio mais interessante. Difícil e quase impossível. O caminho todo a percorrer todas elas mais do que uma vez até desistir e decidir desligá-la. Enquanto a tarefa mais complicada do dia for esta, é sinal de que somos uns felizardos do caraças e não há preocupações maiores.