Já não tenho chuva dentro de mim, nem nuvens no meu céu...
Já não existe vento nas gaiolas do meu peito, nem brisa no silêncio dos meus olhos.
Entre a noite que é cega e a madrugada que é surda, tento agarrar palavras para o dia.
Entre a lua pálida e morta e as estrelas esmorecidas no céu, tento guardar alguma poeira galáctica que me ajude a voar durante a escuridão do sono.
Já não há vida para além da temporalidade do papel. Mas eu continuo aqui. A existir.
Faltam-me as pérolas do mar para poder pensar; faltam-me as borboletas de aguarela para conseguir respirar. Falta-me o tempo... falta-me a vida!
E lá fora, o senhor do café continua igual, a senhora da papelaria também, o chão da calçada mais gasto por passos impensáveis, as árvores das ruas mais sábias e as coisas esquecidas ainda mais esquecidas. As rosas dos jardins vivos da vila choram ao sol e imploram por sangue de vida, seiva vermelha que lhes corre nas pétalas escarlate que se desenrolam do botão cheio de pó do paraíso.
O jornal diário continua a ser renovado nas mesas do café do senhor Zé; as revistas do quiosque da dona Madalena seguem o mesmo caminho; as violetas do canteiro da tia Ana fazem-na olhar para trás, para o que passou e que já não volta e impedem-na de olhar para o futuro, para o que lá vem ou há de vir.
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