A folha de papel, amarrotada e abandonada na secretária, grita. Esforça-se para conseguir ser ouvida. Cheira a suor e a lágrimas tristes e desesperadas. Cheira a derrota. Deixá-la ali, desamparada e friorenta mais um dia, seria um acto de maldade. Francisco Gabriel apanhou-a, desembrulhou-a e deu-lhe voz. De repente ouvem-se passos no corredor. O avô leitor cala-se. Cessa a sua voz antes que alguém o possa ouvir a recitar os versos velhos e esquecidos. Foi ele quem os escreveu... Há uns meses atrás começou a sentir-se demasiado sozinho, demasiado angustiado. Maria Carolina, a sua esposa, havia falecido no mês em que a água se transforma em gelo. Para Francisco, não havia muito mais para ver no mundo. Os passos aproximavam-se serenamente. Os seus olhos seguiam cada linha escrita com uma atenção perturbada pela curiosidade. Ouviu uma respiração...
- Avô!
Era Sebastião, o menino de olhinho verde e cabelinho cor de mel, um dos seus três netos. Francisco abre os olhos de felicidade e os braços de saudade. O seu coração tremia outra vez.
- Vem cá, Sebastião!
Abraçaram-se. O neto sentiu o avô feliz. Deu-lhe um grande beijo nas barbas de avô antigo e grande. Os seus bracinhos, pequeninos, em volta do pescoço carnudo do avô sobressaíam numa espécie de beleza familiar inconfundível.
- O pai e a mãe estão a tirar as malas do carro!
- E a Sofia e o Frederico?
- A Sofia ficou a ajudar os pais... O Frederico vinha mesmo atrás de mim. Se calhar foi à casa de banho.
- Vamos descer e ajudar com as malas também?
- Vamos, avô! Já tinha saudades tuas. E das tuas histórias. Sabes, avô... desta vez também tenho histórias para te contar.
- Que bom, pequenote!
2 Comments
É impressionante o quanto as palavras nos envolvem, nos deixam no limbo ou nos confortam. Têm um poder transcendente *-*
ResponderEliminarQue ternura!
💖
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