[5] EntreVistas - Leonor Fernandes

Leonor, Nôr, Nônô...

Há imenso tempo que não te vejo pessoalmente, mas vou acompanhando o teu talento que nunca deixei de admirar. Os bons vencem nesta vida e tu estás no caminho para a vitória. Parabéns pelos trabalhos que vais fazendo! E um obrigada sentido por aceitares perderes um pouquinho do teu tempo a conversar comigo!


Olá, Carol! É verdade, já lá vai algum tempo. Se bem me lembro a última vez que te vi e que falámos foi na Feira de S. Pedro, sentadinhas ao pé da rolote dos kebabs (ahah!) para meter “vidas em dia”, partilhando (e suspirando) episódios e crescimentos, que entretanto acumulámos desde os tempos da Freiria, da Henriques Nogueira e das faculdades… oh, tempo!


Em primeiro lugar, eu é que agradeço por te teres lembrado de mim e me teres lançado este “desafio” tão bom e que aquece tanto a alma. Em segundo, acho que te enganaste na frase “perderes um pouquinho do teu tempo a conversar comigo”. Não será antes “ganhares”? Como posso perder tempo a falar de paixões? Muito menos a quem se mostra tocado de alguma forma por elas? Só vejo ganhos aqui (por isso, mais uma vez, te agradeço).

1 - Leonor, para começar, e uma vez que ainda não te conhecemos aqui pela Blogosfera, gostarias de fazer uma apresentação sobre ti e sobre o teu trabalho?


Bem… Não sou muito de aventuras espontâneas, embora sonhe sempre com elas. Sou simples na (minha) generalidade, complicada nos (meus) pormenores. Sou a mais velha, mas a mais baixa, de cinco (não me subestimem, desenvolvi toda uma gama de estratégias para me impor… ou não… pelo sim pelo não posso sempre dizer “respeitinho aos mais velhos”).

Não leio muitos livros, mas pessoas sim (todos os dias)! Mordo as bochechas quando estou nervosa e quando (so)rriu demasiado  elas apoderam-se de metade da minha cara. Não passo um dia sem café –“por (Ca)(Fé) é que nos salva!” como dizia o meu querido avô. Gosto de ver e ir à bola, de aguarelas e de estrelas.

Equitação, Música, Taekwondo e Escutismo alegraram-me a vida. Família, amigos e arte embeleza(ra)m-na. Entreguei-me às Belas-Artes e agora ando a descobrir o mundo dos museus. A lista poderia estender-se por mais e mais linhas, mas eu tenho mais perguntas a responder e vocês paciência finita, quero aproveitá-la bem.

Quanto ao meu trabalho penso que, embora considere extremamente delicada e difícil a tradução por palavras, revela as constantes buscas, (in)certezas, (des)encontros, gestos e impulsos em que me desdobro e faço desdobrar, dia após dia, eternizados numa pintura, fotografia, desenho… autênticas ferramentas de uma alma itinerante, errante, arrebatada (a minha, a tua, a de todos).



2 - Quando é que percebeste que a tua vida estaria inclinada para esta área magnífica?


Desde cedo que as cores, os pinceís, os lápis e as telas ocuparam um lugarzinho especial no meu coração. Sempre adorei desenhar e pintar e a minha primeira resposta à pergunta “o que queres ser quando fores grande? provou isso – “pintora” (por volta dos seis anos até pedi como prenda de anos uma boina preta e um cavalete). No entanto, essa certeza rapidamente se fragilizou. Não a certeza de que adorei e adoro pintar, mas a de que quereria ser pintora, artista.

Na verdade, estive muito perto de nem sequer escolher artes no secundário. Ciências ou artes? O que faço agora? Gosto de ambas… preciso de ambas… (não é que no dia das matrículas, os professores responsáveis que me apareceram com uma ficha, na qual uma cruz bastaria para a decisão da área, eram, sem mais nem menos, a professora de Ciências e o professor de EV? Engraçado). E pronto, o tal conselho de “escolhe o que te faz mais feliz” fez-me sentido. E por esse conselho tenho guiado a minha vida. Depois do secundário escolhi licenciar-me em Pintura, e assim foi. E não foi, nem é, um caminho sem pedras, sem incertezas e sem “crises existenciais”, mas são pedras, incertezas e crises coloridas.




3 - Dentro do mundo vasto da Arte, que área te deixa o coração a palpitar com mais força?


Diria que a pintura e a fotografia são os meus mundos preferidos dentro do universo da arte. Não consigo escolher apenas um. Para mim eles opõem-se e complementam-se simultaneamente. Há coisas que só vejo, sinto, revelo ou escondo numa pintura… Há coisas que só vejo, sinto, revelo ou escondo numa fotografia…. E há coisas que só vejo, sinto, revelo ou escondo com ambas em diálogo, ou em silêncio. O nascimento da fotografia, há quem diga, trouxe a primeira crise à pintura… o que por um lado não deixa de ser verdade… mas, e quanta potencialidade? Ambas falam e fazem falar de maneira particular, preciso de ambas (e a vida também).



4 - E nas artes plásticas, é para a Pintura que tens mais tendência a «cair» para te expressar?


Sim, caio e caio mesmo. Às vezes nem me consigo levantar… Especialmente quando dá luta, sabes? À procura do tom, do volume, da composição, da ideia… dos outros ou de mim própria. Prende mas também liberta. Há coisas que ficariam por dizer se não pudesse pintar. E por sonhar. Devemos muito à pintura. À Arte…  Só que ainda nem todos acordaram…Quanta (in)sensibilidade?




5 - Fala-nos um pouco sobre o teu crescimento e evolução relativamente a esta paixão. Certamente, tens notado algumas mudanças na tua forma de pensar e de estruturar as coisas. O que sentes que mais tem mudado em relação a isso?


Como é natural, a minha ingenuidade de ontem não é a mesma de hoje, e a de hoje não será a mesma de amanhã. Sabias que a maioria das pessoas não desenvolvem as suas potencialidades artísticas além das que atingiram por volta dos nove anos? Precisamente quando descobrimos a “perspetiva”… e a frustração da dificuldade de a plasmarmos no desenho ou na pintura, por exemplo, levam-nos a perder parte do interesse no processo artístico… Geralmente, porque achamos “não ser capazes de”… e na “criação artística” das crianças, contrariamente à dos adolescentes e à dos adultos, embora possam estar conscientes de que as suas obras são diferentes às dos outros, não se sentem pressionadas por regras, convencionalismos ou complexos – doce ingenuidade. Queremos encaixar-nos e acabamos por adormecer o que pode existir de melhor em nós. 

Isso tem acontecido um pouco ao longo do meu crescimento. Certamente quando era mais nova era mais ousada nas minhas escolhas (mesmo que inconscientemente): não tinha medo de misturar cores estridentes com cores secas…  de encher folhas… de fugir a regras. No básico e no secundário ensinam-nos teorias da cor, da forma, falam-nos que o equilíbrio, a homogeneidade e o realismo são as chaves e que pintar fora dos contornos é sinónimo de imperfeição. E depois? Na faculdade descobrem-nos presos e tentam ensinar-nos a ser novamente crianças: a arriscar, misturar, cortar, dobrar, virar, remexer, descolar, agitar… numa procura de identidade tremenda. E esta foi a principal mudança que senti em relação à maneira de ver, pensar e sentir a arte ao longo dos anos.

Tento ser, de certa forma, cada vez mais a Leonor dos seis anos, que respondeu sem medo que queria ser pintora e que não cedia na decisão de juntar laranja com rosa, de fazer braços a sair diretamente da cabeça ou olhos esbugalhados num sol no canto da folha. Uma criança não se fica pelas preferências estéticas (até porque muitas vezes ainda nem as tem nem as sabe), não se guia por escolas artísticas e muito menos se prende por valores de mercado, não lhe interessa o domínio da técnica e muito menos a “transcendência” das suas “obras” … e isso é maravilhoso. Gostava de continuar assim. E tem sido uma luta (às vezes brincadeira) constante. Ainda me é difícil. Muitas vezes acabo novamente presa. Às vezes surpreendo-me com o resultado (ou com o próprio processo). Às vezes vale a pena cada tentativa. Às vezes vale a pena deixar em aberto. E é nesta mesma corda bamba que tenho cresc(ido). Parte de mim gosta e guia-se pelos academismos, parte de mim tenta combate-los. 





6 - Também tocas Violino. O que te fascina na Música?


Bem, já não toco há muuuuuuuito tempo! Gostava de ter coragem para voltar. Talvez um dia. Sensibilidade – acho que é isso que me fascina. Necessária para tocar e para saber ouvir. Tal como na pintura, na fotografia, no desenho… Todos nos projetam de alguma maneira. Não há ninguém indiferente à música, acho eu. Tenho quase a certeza. Nem todos sabemos compor, tocar ou (en)cantar, mas ela, a música, “toca-nos” a todos… e é esse o seu poder. Quem nunca chorou, sorriu, ou se arrepiou com ela? … Quantas sensações, poemas? Ela é-me íntima, e acho que a vocês também. Não imagino uma vida sem ritmo. Como diríamos que gostamos de alguém sem música? Ou que sentimos saudade? Que temos medo de algo ou que esse algo é belo? 



7 - No Cinema... há algum filme que te tenha marcado especialmente?


O clássico Forrest Gump… talvez o que me encantou mais até hoje. Aquela história, aquele diretor, aquele ator, aquela banda sonora, aquela fotografia, aqueles efeitos visuais … combinação perfeita para mim. É um filme que nos conquista e que nos muda. É que a história não tem um género único, é uma mistura interessante de vários, que juntos compõem verdadeiramente uma obra prima. A inocência daquela grande (e cheia, completa) história de vida, que não se deixou corromper por polémicas e grandes eventos, contada numa paragem de autocarro, e que no fundo se resumia a umpropósito, encontrar aquela que lhe escapou… É um filme de pormenores, de detalhes… de simplicidade… acima de tudo de felicidade e de esperança, de saudade e de amor.



8 - Já tiveste alguma experiência a realizar alguma curta-metragem? Tens alguma curiosidade neste campo?


Não e sim. Não tenho experiência nenhuma mas a curiosidade é imensa. Talvez um dia me aventure. Até lá conto histórias com a pintura e com a fotografia. Mas estou completamente consciente do potencial do cinema e do que se pode (re)contar através de uma curta-metragem.


9 - Na Fotografia, qual a característica que consideras fundamental para que consiga marcar profundamente determinado tipo de população?


Essa pergunta é muito difícil! Penso que não exista “a” característica que marque profundamente as pessoas. Isso é muito subjetivo, na minha opinão. Quando fotografo, fotografo porque desejo e sinto essa necessidade… sem compromissos com a harmonia perfeita entre luz, velocidade, exposição, nitidez, foco, entre outros. Interessa-me o que algo pode dizer de novo, de modo diferente ou simplesmente cujo silêncio me intrigue. E o “objetivo” é captar para a partir delas poder decifrar, criar novamente ou simplesmente desdobrar sentidos. Acho que uma “bela” fotografia é aquela que (me) intriga, que (me) conspira e que (me) (des)constroi (in)conscientemente.



10 - Na experiência que tens tido e pelo que vais observando, tendo em conta a diversidade da população, qual das artes que hoje parece chegar mais facilmente a um maior número de pessoas?


Afinal esta pergunta é que é difícil!! Não sei responder… A maioria das pessoas (claro que nem todas, felizmente) ainda estão muito apegadas às obras que lhes dão respostas rápidas e diretas às suas perguntas. Se exigir um pouco mais de atenção, de umolhar mais cuidado e de um pensamento mais crítico a coisa já fica mais difícil. Descodificar uma obra que não nos dê logo as pistas, conseguidas somente se nos envolvermos de forma menos supérfula com ela, é “penoso”, “trabalhoso”. Ainda há uma certa resistência áquilo que não se encaixa no figurativo realista… Interatividade e tecnologia também parecem estar na lista dos preferidos. Mas mais uma vez, esta questão e resposta são extremamente subjetivas. Mas as coisas mudam (e têm mudado) aos pouquinhos. Há espaço para todas as artes. E há imensas formas de a fazer chegar às pessoas. Há para todos os gostos e feitios!



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Todas as imagens desta publicação são da autoria da Leonor.








3 Comments

  1. Que energia inspiradora! Senti que esta entrevista foi uma autêntica conversa entre amigas, porque é descomplicada e com um fio condutor muito bonito *-*
    Não conhecia a Leonor, obrigada pela partilha!

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  2. Obrigada, eu, minha querida, por te ter a ti também por aqui ❤

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