Coração de Mar

Fotografia tirada pelo meu irmão. Tróia, 2018.
Os seus olhos azuis e brilhantes cintilavam como duas pérolas no seu rosto velho, enrugado e queimado pelo sol. As suas mãos, tratadas como o rosto, pareciam chorar e gritar ao vento pelo repouso. Ele não as ouvia, tinha os ouvidos tapados por preocupações e previsões. A sua boca salgada deixava escapar no marulhar confuso das ondas cantigas perdidas no tempo e assobios de avô!

Havia noites em que se deixava engolir pela boca do mundo, no seu barco «Ulisses», tendo lutas incontáveis com o maior monstro da Terra. Sempre disse que, se nasceu no Mar, haveria de lá morrer também. Acrescentava ainda (como gente sábia) que, apesar das longas, duras e negras batalhas travadas com ele, não deixaria de ser o seu melhor companheiro. Afinal, a sua vida tinha sido dedicada a tal natureza.

Passava crepúsculos e auroras, perdido na «intemporalidade» e na imensidão do Nada (ou do Tudo!), olhando para a linha que separa o céu do mar e para o sol e para a lua que chegavam a partilhar o céu amigavelmente. As restantes estrelas, essas, apareceriam mais tarde, quando o escuro da alma da noite decidisse aparecer.

Depois, o trabalho! Trabalho árduo: lançar as redes. Esperar. Retirá-las mais pesadas do que aquando do seu lançamento. Separar o peixe… O odor horrendo do alimento saudável tinha-se agarrado de tal forma ao seu nariz que a sua presença lhe era já indiferente.

Perguntei-lhe, depois destes minutos observadores, se não estava cansado. E ele, com marcas do tempo no rosto de variadas formas, respondeu-me que sim, que às vezes desejava adormecer no barco e acordar em lugar algum diferente.

Homem triste este Coração de Mar!

4 Comments

  1. Um percurso solitário e melancólico! Este Coração de Mar consegue arrepiar-nos.
    Sempre brilhante, minha querida *-*

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  2. Vidas árduas e bem difíceis.
    Um texto brilhante.
    Bom fim de semana
    Beijinhos
    Maria
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  3. r: Ser transportada por uma Pão de Forma num dia tão especial, acredito, é inexplicável *-*

    Tem uma mensagem muito terna e aconchegante. Os Diabo na Cruz não param de surpreender!

    Gosto muito de ler isso :D

    Sem dúvida, o amor liberta-nos, não o contrário

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  4. P.S. Oh, que bom que é ler isso. Que aconchego bom no coração *-*

    É bem verdade, porque a nossa casa não tem que ser um espaço único. Desde que nos faça sentido, pode ter várias formas, locais e almas

    Beijinho grande <3

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