O que será que me deu? Será que fui morto em combate Ou será amor?
Desce no peito um frio, um calor O que será que me deu? Será falta de chocolate Ou será amor?
Só sei que até as buzinas Da hora de ponta Parecem cantar E até o cheiro a gasolina Emana um aroma De rosas no ar E o Shopping dos Olivais Lembra as luzes de Paris E até nas capas dos jornais Vem que afinal O Mundo é feliz O Mundo é feliz
Dá-me um achaque, um batuque, um ataque Que piripaque me deu? Será que ‘tou tendo um chilique Ou será amor?
Ataca a espinha e rompe a retina Acelera o coração Será que sai com aspirina Ou será amor?
Só sei que até as cantigas Que tocam na rádio Apetecem cantar E as ervas daninhas Da berma da estrada Parecem jardins ao luar E a cantora do show da manhã Tem a voz que nem a Elis E o homem do telejornal Diz que afinal
O Mundo é feliz O Mundo é feliz O Mundo é feliz O Mundo é feliz
Um dia, fui passear, não interessa quando nem onde.
Parei, sozinha, de óculos escuros a contemplar a paisagem. Era um lugar isolado, muito pouco movimentado e com uma vista encantadora. Emocionei-me com alguns dos meus pensamentos e com muitas das memórias que me chegavam à cabeça. Por mero acaso, passou por mim um casal. Quando se viraram para ir embora, reparei que a rapariga tinha parado e hesitado em continuar caminho. Desviei o olhar discretamente para ver o que se tinha passado, mas não tinha acontecido nada. Voltei a alhear-me nos pensamentos. De repente, oiço um «Estás bem?». Eu, admirada, olho em volta e por não haver mais ninguém ali respondo «Sim.» e ela «Mesmo?» com um ar muito preocupado. Estando eu demasiado séria e angustiada, devo ter transmitido uma imagem melancólica e os óculos de sol não deixavam transparecer o meu olhar. A menina deve ter pensado que eu estava ali para me suicidar, porque chegou mesmo a agarrar-me o braço e só então percebi o que podia estar a transmitir involuntariamente. Pedi desculpa e disse que estava tudo bem, que estava só a descansar e a contemplar a natureza. Que não havia motivos para preocupações desse tipo. A menina não tirou os olhos de mim até ir embora do trilho. Este acontecimento ficou-me gravado na cabeça e dificilmente me esquecerei dele. O mundo mostrou-me uma estranha preocupada comigo ou com aquilo que eu poderia fazer à minha vida. O mundo mostrou-me que podemos encontrar num estranho uma salvação e que também nós podemos ser esse estranho, se prestarmos atenção ao que nos rodeia. Penso que não preciso de escrever mais nada para perceberem onde quero chegar.
Após uma aula de Ficção Breve, a discutir sobre o estranhamento e o infamiliar, reescrevi e modifiquei este texto, o qual aproveitei para enviar para o jornal mensal da Faculdade - Nova em Folha.
Espero que gostem, mas principalmente que vos faça pensar.
Estranho Quotidiano é um conjunto de crónicas colhidas de José Luís Pio Abreu, Psiquiatra de Coimbra. Não é sobre um tema específico porque abordam os mais variados temas que vão desde as hormonas que nos influenciam de alguma maneira ao estado do país de então. Apesar de conter um ou outro termo mais específico das áreas das ciências que estudam a nossa cabecinha, não há assim muitos jargões e acaba por ser acessível ao comum dos mortais.
Aos fãs de crónicas, aos que não têm muito tempo para ler ou a quem se interessa por vários assuntos, aqui fica uma leve sugestão que se lê em muito pouco tempo.
Nota: Este blogue é afiliado daBertrand e da Wook. Assim, ao adquirirem obras através dos links disponibilizados, estão a contribuir para o seu crescimento literário. Obrigada! Bem-Vos-Quero 🌼📚