Dar Vida. Em conjunto, a dois. Antes de mais nada, ser Vida. Ser verdadeiramente feliz. Depois, alimentar esse amor diariamente com a palavra, a atitude, o respeito, a confiança. Construir um lar, a partir dos alicerces essenciais, ao longo de uma vida fiel. Mais tarde, surgirá a necessidade de não sermos apenas dois, mas três, ou quatro, ou até mesmo cinco. Então, o milagre da vida acontecerá em mim, em ti, em nós. Do nosso ser, surgirá o fruto que, após rebentar o botão, dará origem a uma flor - alguém. Esse alguém será o nosso tudo, o nosso próximo propósito de vida. Trazer ao mundo um nome. Uma história.
Educá-lo e ensiná-lo com amor e toda a disponibilidade materna e paterna. O primeiro sorriso, a primeira palavra! Que alegria Ăşnica! Depois, o primeiro passo... e a partir daĂ o tempo voa como uma gaivota no seu manto azul celeste, sem fim e sem destino. O primeiro dezanove de Março e o primeiro Domingo de Maio no primeiro ano de escola deverĂŁo ser inesquecĂveis. É a partir daĂ que, anualmente, os frutos se lembrarĂŁo das sementes de uma forma tĂŁo genuĂna, tĂŁo deles. Receber um enorme beijo e abraço quando os vamos buscar Ă escola. O prazer eterno de ouvir aquelas vozes doces e apetecĂveis, uns enormes e sentidos «MĂŁe» e «Pai». Vale a pena viver, se assim amar.
Se assim for, estou tranquila se a existĂŞncia nĂŁo passar da existĂŞncia!
O primeiro dente a baloiçar. O primeiro caracol de cabelo cortado. O orgulho de conseguir arrancar o dente sem doer «quase nada». O primeiro brinquedo, aquele que nĂŁo largará nem no banho, aquele que vamos insistir para ele largar mas que será a mesma coisa que falar para um boneco. As imensas fotografias que imortalizarĂŁo estes tempos de ouro. O primeiro trambolhĂŁo de bicicleta, de patins e de skate. O desenho animado favorito, aquele que lhe servirá de inspiração durante alguns meses. A primeira birra. E a segunda. E a terceira...
O primeiro dia de escolinha. A primeira amizade colorida. A descoberta de que os meninos são diferentes das meninas. As perguntas do porquê de assim ser. As perguntas do porquê de não ser de outra maneira. Os porquês disto e os porquês daquilo... Os porquês que pensaremos não terem fim! O nosso espanto com a inteligência de um pequenote que formula pensamentos tão grandes e questões tão complicadas de responder.
A seguir, o aparecimento de mais um irmão, mais um fruto do nosso amor. Recebê-lo-emos de coração puro e aberto (mas desta vez, com mais experiência). Será o nosso presente para o primeiro fruto e ele tratá-lo-á como tal. Um sonho realizado, uma vida feliz. Duas existências que não foram em vão. Porque houve um propósito. Porque houve amor. Porque houve frutos.
Os primeiros melhores amigos. As primeiras zangas. As primeiras desilusões. O primeiro desgosto amoroso. As primeiras lágrimas derramadas por um pedacito do coração ter ficado «engripado». Os nossos abraços e outras ternuras inesquecĂveis que eles vĂŁo precisar nessas alturas. Os nossos sorrisos que pedirĂŁo sem falar e que entenderemos pelo olhar. O nosso apoio. O nosso «Vai correr tudo bem!», mesmo que a gente suspeite que nĂŁo será assim. É preciso acreditar neles e fazĂŞ-los perceber que acreditamos mesmo. A nossa esperança de que tudo lhes será possĂvel. A nossa previsĂŁo de que serĂŁo os nossos herĂłis, como aqueles da B.D. que lhes dávamos a conhecer quando Ăam para a cama.
Os primeiros erros. As primeiras indecisões. O verdadeiro stress na escola. A preocupação de subir a mĂ©dia. A profissĂŁo por escolher. As dĂşvidas existenciais. As Ă©pocas propĂcias a pancadas desnecessárias causadas pela entrada em «piloto automático»... enfim, tudo aquilo por que passamos todos, mais ou menos intensamente. As noites em branco, a estudar. As insĂłnias, aquele mau pressentimento que nĂŁo nos deixa descansar. As figuras de zombie que se fazem depois disto... As nossas reprimendas do costume (que sabemos nĂŁo terem efeito nenhum... já tivemos a idade deles, de que servem os paninhos quentes?). A universidade por escolher. A vida por planear!
ApĂłs inĂşmeras experiĂŞncias e memĂłrias incontáveis, chegará o momento de voarem. É a lei da Vida... tambĂ©m já nĂłs voámos! Teremos a sensação horrĂvel de algo tĂŁo nosso nos estar a escapar por entre os dedos e nĂŁo podermos fazer nada! Agora, Ă© a vez deles serem felizes, acompanhados, unindo-se num sĂł, com alguĂ©m. Tal como nĂłs, em tempos.
Restamos nós, dois corpos e duas almas. Esperamos os dois pelo último suspiro! Peço que o meu surja primeiro, ou que surjam simultaneamente para não vivermos sós, seja onde for.


