Pego, tremendo, numa tesoura fria de metal que estava pousada na secretária do escritório e levo-a comigo, assustada, para a casa de banho, onde me escondo do espelho todos os dias. Estou descalça e o chão está duro e frio. Tenho os olhos fechados e o coração semicerrado, entre aquilo que deve estar e aquilo que não pode. Fecho a porta, apesar de estar sozinha em casa. É uma sensação de segurança diferente. Sento-me, por segundos eternos, no tapete cinzento em frente ao chuveiro e penso em nada. Apenas ali, de olhos abertos, mas sem ver nada. Levanto-me. Respiro fundo e olho para o espelho sem vontade, com medo e de olhos molhados. Vejo quem está à minha frente e agarro numa madeixa grossa, volumosa, de cabelo castanho ondulado com uma mão. Com a outra pego na tesoura, de repente tão pesada, e abro-a por cima dessa madeixa. Sem respirar, apneia nascida da angústia, aperto os meus dedos contra a tesoura e ouço, compassadamente, mil e um cortes minúsculos a darem à luz mechas de cabelo perdido. Silêncio silencioso senti dentro de mim, como se o som desses mil e um cortes minúsculos tivessem morto todo o tipo de som do mundo. Não ouvi mais nada até ao próximo corte. Agarrei noutro par de ondas e apertei a minha mão, desta vez confiante, contra a tesoura. E mais uma vez. E outra. E outra. Até esquecer quem fui. Até esquecer quem sou.